sábado, 27 de fevereiro de 2010

Língua Portuguesa: Cinema e Museu

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
(...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
"Trouxeste a chave?"
(Carlos Drummond de Andrade)

Esse texto tem como proposta a observação comparativa entre o Museu da Língua Portuguesa e o filme Central do Brasil. O fio condutor dessa observação será a linguagem, seja ela escrita ou falada. Aspectos históricos e geográficos, a utilização das cores e a tecnologia apresentada tanto no Museu quanto na obra cinematográfica também serão citados no intuito de mostrar a importancia da linguagem.


Imagem externa do Museu da Língua Portuguesa

  A língua materna de um povo é uma riqueza de valor inestimável. A cultura geral de uma sociedade (tradições, costumes, religião, saberes, modos de fazer, formas de expressão, valores éticos, políticos, etc.) se transmite se absorve e se transforma através da linguagem. Língua e sociedade estão assim, desde sempre, intrinsecamente ligadas. E não se trata de excesso quando se diz que uma língua tem o poder de moldar ou informar a visão de mundo de seus falantes, conferindo identidade própria ao país onde é fluente.
Essa linguagem é usada como elemento decisivo no filme Central do Brasil que concentra sua parte inicial na maior estação de trens do Rio de Janeiro, a região que do título ao filme, um entroncamento metrô-rodo-ferroviário de grande importância para a cidade, principal pólo de ligação do Rio de Janeiro com a periferia do Município. A Estação Ferroviária D. Pedro II, a Central do Brasil, é o ponto final dos trens que trafegam pela cidade. O prédio atual foi construído entre 1936 e 1945, durante o período do Governo de Getúlio Vargas, no local onde existia a primeira Igreja da Confraria de Santana, formada pelos negros.
O Museu da Língua Portuguesa, instalado em um dos monumentos arquitetônicos mais importantes do país, está localizado no coração de São Paulo, no prédio acima da plataforma da Luz, onde, no início do século 20, funcionavam os escritórios da companhia férrea. As duas estações recebem diariamente milhares de pessoas que se deslocam em trens, criando uma experiência de linguagem que é determinante na constante transformação da língua.

Cartaz do filme Central do Brasil

O filme mostra a realidade do Brasil no final do século XX, caracterizando principalmente as condições de vida no subúrbio de uma cidade grande em um país subdesenvolvido. O museu se notabiliza pela valorização da língua através da história da origem da Língua Portuguesa e de sua importância na construção da identidade do Brasil. No filme a personagem Dora (Fernanda Montenegro) escreve cartas para analfabetos na Central do Brasil. Essa condição de alfabetizada lhe da o poder de definir destinos e nos relatos que ela ouve e transcreve, surge um país desconhecido e carente, um verdadeiro panorama da população migrante, que tenta manter os laços com os parentes e o passado. O uso de tons beges, cinzas e marrons marcam esta parte de Central do Brasil. À medida que o filme toma a estrada, as lentes se tornam mais abertas, a imagem respira, ganha horizonte e novas cores. A mudança entre um universo e outro é ajudada pelos tons ocres da terra seca do Nordeste.
O Museu se propõe a ser um espaço democrático onde a compreensão da língua se mostra capaz de transformar vidas e tornar pessoas independentes com acesso a sua própria história e cultura. A elaboração da exposição permanente trata a língua como um patrimônio dinâmico, em transformação constante, portanto perfeitamente compatível com o arsenal tecnológico, a virtualidade e a interatividade que caracterizam o espaço. Se no filme a simplicidade e a escassez de recursos de seus personagens são alarmantes, o mesmo não se pode afirmar do museu que é um misto de modernidade e tecnologia onde, desde a entrada, encontramos características que vão além de um museu convencional, telas enormes exibem imagens com cores vivas, equipamentos eletrônicos permitem brincadeiras onde se juntam palavras e se descobre seu significado, um curta metragem (com narração de Fernanda Montenegro) nos introduz a origem e importância da língua, um enorme painel retrata a Língua Portuguesa desde seu nascimento até os dias atuais.
No filme, confrontada com o desconhecido, Dora não detém mais o poder sobre o destino das pessoas (mandar ou não as cartas). Ela passa a ser pouco a pouco transformada por este novo mundo e pelos personagens que encontra no caminho. Josué (Vinícius de Oliveira) também começa a descobrir outro universo. Para ele, a jornada é ainda mais emblemática; é o retorno à terra que não conheceu o retorno a uma terra imaginada e desconhecida.
O museu também possui um caráter de transformação ao visitante, uma viagem ao mundo da literatura, não uma viagem comum: através de poemas que são citados em uma sala escura com imagens exibidas por todas as partes, personalidades emprestam suas vozes a grandes autores.

Os elementos observados nos mostram dois retratos do país, no filme uma desesperança que somada a incerteza faz com que pessoas busquem alternativas de trabalho em outras regiões mais desenvolvidas em detrimento de sua origem, família e cultura, já o museu busca uma alternativa para que essa cultura não pereça ou fique refém da memória. Um povo sem memória tende a repetir sua história e, portanto, seus erros. O filme mostra um lado do  país que é marginalizado e que espera um Messias para resolver seus problemas. O museu nos dá elementos para entender, através do estudo da  língua,  como esse país se criou e como a sua língua é determinante na construção da sua identidade.



Museu da Língua Portuguesa

Praça da Luz, s/n, Centro - São Paulo – SP
Informações: Tel.: (11) 3326-0775
E-mail: museu@museudalinguaportuguesa.org.br




Filme: Central do Brasil

gênero:Drama
duração:01 hs 52 min
ano de lançamento:1998
site oficial:http://www.centraldobrasil.com.br/
estúdio:Videofilmes
distribuidora:Sony Pictures Classics
direção: Walter Salles
roteiro:João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein
produção:Arthur Cohn e Martine de Clermont-Tonnerre
música:Antônio Pinto e Jacques Morelembaum
fotografia:Walter Carvalho

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